Zona de Interesse - a rotina que caminha lado a lado com a crueldade
- Janaina Pereira
- 1 de mar. de 2024
- 3 min de leitura

Um som mecânico e estranho, a tela preta acompanha os primeiros 4 minutos de Zona de Interesse, mas o incômodo inicial é ridiculamente inferior ao que você está prestes a presenciar. O termo Zona de Interesse refere-se a como os oficiais da SS se referiam aos 40 quilômetros ao redor de Auschwitz, o longa- metragem baseado no livro homônimo de Martin Amis (lançado em 2014, e que no Brasil sai pela Companhia das Letras), é dirigido pelo cineasta britânico Jonathan Glazer, e que se passa durante a Segunda Guerra Mundial, esse drama histórico acompanha a família do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss (Christian Friedel), sua esposa Hedwig (Sandra Hüller), e seus filhos numa rotina absolutamente normal e feliz, sendo que ao lado está o campo de concentração, o filme está concorrendo a 5 categorias do Oscar deste ano, incluindo Melhor Filme, e ganhou o Grande Prêmio em Cannes

Eu tinha um conhecimento prévio da sinopse do filme, mas nada te prepara para este olhar de dentro dessa família, o dia a dia deles escancara um horror que te causa náuseas, é uma história que te choca pelo que te mostra, e muito, muito pelo que se ouve ao longo de quase 2 horas. Você nunca vê Auschwitz, nada é mostrado, são apenas os sons do que está acontecendo que te chocam, e isso enquanto a família janta, toma café, as crianças brincam na piscina, a sogra tira uma soneca no amplo quintal.
Com 30 minutos de filme a minha reação foi de fechar os olhos, e inutilmente tampar um dos ouvidos, você não quer ver ou ouvir aquilo, é angustiante ver a família Höss sem qualquer reação a tudo isso, eles não se importam, o que os incomoda é o barulho de uma goteira, um chocolate que faltou, uma roupa para ser consertada. Para Rudolf é um trabalho que tem que ser feito com excelência, e que além de trazer um retorno financeiro, traz um status, o orgulho latente de tudo que o nazismo prega, a satisfação em perceber que o Auschwitz está servindo ao seu propósito, e sua gratidão por tudo que aquele regime está oferecendo de benfeitorias a sua família, afinal é uma grande casa, todos estão genuinamente felizes por estarem ali.

Só que Hedwig é a que mais me enojou, a forma como ela trata os empregados, as ameaças jogadas como se não fossem nada, e o quanto ela está disposta a sacrificar para que sua família permaneça naquela casa, com aquelas regalias, ela crê no que o nazismo prega de olhos fechados, e está genuinamente feliz por aquela oportunidade. Zona de Interessa escancara essa crença, mas algumas coisas são veladas, insinuadas, e isso é o que te deixa mais incrédulo, são tantas barbaridades cometidas mesmo sem você ver, que é angustiante chegar até o final do filme.
Zona de Interesse é incômodo, difícil, nauseante em muitos momentos, chocante, mas esse olhar de dentro dos nazistas é necessário para nunca esquecermos dos quase 1,1 de pessoas que foram deportadas para Auschwitz, entre 1940 e 1945, aquele final que para mim foi surpreendente, foi o melhor jeito de Jonathan mostrar que aquele passado perturbador ainda é presente, necessário, e culmina numa reflexão apreensiva de que tudo aquilo de fato aconteceu, aquelas pessoas morreram daquele jeito, os nazistas não se importavam com nada além de pregar as crenças de Hitler para o mundo, e pensar que em 2024 ainda há muitas pessoas que querem o horror, a aniquilação das minorias, dos diferentes, e que efetivamente são como Rudolf, Hedwig, e tantos outros, eles naturalizaram o horror.
Nota: Excelente, angustiante e necessário.
Onde Assistir: Cinemas
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